segunda-feira, 6 de maio de 2013

ESPÉCIES: PARA QUÊ SERVEM E POR QUE PRESERVÁ-LAS?


Por Igor Morais



A Terra é o único planeta conhecido que sustenta vida, e o faz em abundância. O número estimado de espécies descritas varia por volta de um milhão e meio, mas algumas estimativas mostram que esse número poderá chegar ou ultrapassar a casa dos cem milhões, na medida em que aumenta o nosso conhecimento sobre a diversidade da vida na Terra. Proporcionalmente, também estamos nos tornando mais conscientes do impacto que a humanidade exerce sob esta biodiversidade. Especialistas vêm alertando e demonstrando através de pesquisas nos últimos anos que muitas atividades humanas estão direcionando o planeta para um grande evento de extinção em massa. Então, diante desta situação, para quê serve uma espécie? E por que vale a pena preservá-la?

O valor e a importância de uma espécie para nós estão diretamente ligados ao quanto sabemos sobre ela. E para aquelas criticamente em perigo e com uma distribuição pequena, o tempo para a obtenção de informações é precioso. A validade deste conhecimento se torna evidente em espécies possuidoras de compostos químicos que podem originar novos fármacos, muitas vezes mais eficazes, para o tratamento de doenças e outras aplicações médicas. Um caso bastante elucidativo sobre esta questão é o das duas espécies de sapos-de-incubação-gástrica. Esses anfíbios de cinco centímetros habitavam somente duas pequenas regiões na Austrália, e tinham um comportamento reprodutivo intrigante: conseguiam inibir a produção de suco digestivo e incubavam os seus ovos no estômago, um processo que poderia ser útil no tratamento de gastrites e úlceras gástricas. Infelizmente, o segredo de como esses sapos faziam isso se perdeu em 1985, quando a última espécie foi declarada extinta. Acredita-se que a destruição do habitat, e a competição e predação por espécies exóticas introduzidas possam ter sido fatais para esses pequenos animais.





No entanto, uma espécie pode ser importante ou ter valor para a humanidade sem possuir uma utilidade direta para esta, como as espécies-chave. Uma espécie-chave é aquela que, embora não seja a mais abundante, é essencial na estruturação do ecossistema. Ecossistema este que fornece serviços dos quais, muitas vezes, os humanos são totalmente dependentes, como água e alimentos. A história das lontras-marinhas (Enhydra lutris) é um exemplo disso. Elas são os menores entre todos os mamíferos marinhos, e se alimentam de crustáceos, moluscos e, o mais importante, ouriços-do-mar. Ao longo de boa parte de sua distribuição na costa oeste da América do Norte, seu habitat é composto de suntuosas florestas subaquáticas de algas gigantes, conhecidas como kelp. Estas florestas fornecem abrigo, berçário e comida, não apenas para as lontras, mas para uma grande variedade de espécies marinhas, incluindo muitos peixes com valor comercial para os pescadores. No período entre 1741 e 1911, as lontras-marinhas foram intensamente caçadas por suas peles. A diminuição de suas populações e o seu desaparecimento em muitas áreas ocasionou alterações dramáticas nesse ecossistema. Os ouriços-do-mar comem kelp, e sem as lontras para controlarem os seus números, começaram a destruir as florestas. Com a ausência destas, as populações de muitas espécies exploradas comercialmente pela atividade pesqueira caíram, fazendo com que comunidades inteiras de pescadores entrassem em uma grave crise social e financeira. Felizmente, com a proibição da caça e programas de conservação, as lontras-marinhas e as florestas de kelp estão tendo êxito em sua recuperação e servindo como alerta para o que acontece quando removemos as espécies de seus ecossistemas.







Apesar de tudo, é bem provável que, diferentemente dos sapos-de-incubação-gástrica e das lontras-marinhas, um número considerável das espécies ameaçadas não irá nos privar de novos medicamentos ou colapsar um ecossistema com seu desaparecimento. Devemos preservá-las por outras razões, e uma destas está relacionada ao papel que muitas dessas espécies desempenham na cultura humana, seja internacionalmente ou em uma nação. É fácil citar exemplos desses seres que captam nossa imaginação, são como a onça-pintada (Panthera onca), a baleia-azul (Balaenoptera musculus) e o panda-gigante (Ailuropoda melanoleuca). Este último, talvez, seja o mais memorável de todos, pois foi escolhido como símbolo do Fundo Mundial para a Natureza (sigla em inglês, WWF). Em sua terra natal, a China, a espécie foi declarada tesouro nacional em reconhecimento a sua raridade e influência cultural que data desde a época imperial, há mais de 2.000 anos. Hoje, as populações de panda estão ilhadas em bolsões de florestas de bambu isolados entre si, e que sofrem grande pressão com a expansão humana. Até onde sabemos, a única consequência para nós da extinção do panda será uma grande lacuna na mente dos chineses e do mundo inteiro. Ou será que não? Em janeiro de 2013, uma descoberta agita as manchetes. Cientistas chineses anunciaram que um composto produzido pelo sistema imunológico do panda, chamado cathelicidin-AM, revelou uma surpreendente atividade anti-microbiana contra diversas bactérias e fungos, incluindo aquelas variedades resistentes aos medicamentos convencionais. Tal achado faz eco às sábias palavras escritas nos anos 1980 pelo célebre George B. Schaller, biólogo e primeiro diretor do Projeto Panda: “Todos nós podemos reconhecer uma espécie sem futuro, e espero que possamos prolongar sua existência. Tal espécie evoluiu conosco em um mundo distante, e cada uma que morre, leva consigo um conhecimento antigo que o homem pode vir, um dia, a precisar. O panda é mais do que um animal, é um símbolo do nosso compromisso com o futuro. Perder este símbolo por negligência, seria uma derrota moral para toda a humanidade.”








FONTES CONSULTADAS
PERRIN, W.F.; WÜRSIG, B.; THEWISSEN, J.G.M. Encyclopedia of Marine Mammals. 2. ed. Estados Unidos: Elsevier, 2002.
Salve o ursinho panda (Save the panda). Produzido pela National Geographic Society e WQED Pittsburgh. Distribuído pela Video Arte do Brasil, 59 min, 1983.
SIMÕES-LOPES, P.C. O Luar do Delfim: A maravilhosa aventura da história natural. Santa Catarina: Letradágua, 2005.
WILSON, E.O. Diversidade da vida. Tradução de Carlos Afonso Malferrari. Revisão técnica de Valter Ponte. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
WILSON, E. O futuro da vida: Um estudo da biosfera para a proteção de todas as espécies, inclusive a humana. Tradução de Ronaldo Sérgio de Biasi. Rio de Janeiro: Campus, 2002.
WILSON, E.O. A Criação: Como salvar a vida na Terra. Tradução de Isa Mara Lando. Revisão técnica de Roberto Fanganiello. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

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