sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

VALORES EM CONFRONTO



Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social; clovis.cavalcanti@yahoo.com.br

            A polêmica relacionada com o absurdo projeto Novo Recife, que interfere no agradável cais José Estelita, decorre de uma coisa que podemos denominar de “valores em confronto”. De um lado, interesses econômicos poderosos querem usar uma área pública para promover lucros privados. Do outro, a sociedade, que busca qualidade de vida, uma cidade para todos e com beleza estética, reage, invocando razões que dizem respeito não a lucros privados, mas a benefícios públicos. Pode-se imaginar a situação de conflito que aí surge na medida em que, aliados à Prefeitura (gestão do prefeito João da Costa, no caso), os interesses econômicos conseguem impor seus valores diante dos que lhe fazem contraponto.

            Para entender a questão, vale a pena recorrer a um exemplo hipotético. Imaginemos que se quisesse encontrar uma área pública do município para implantar um complexo habitacional e de serviços. Onde localizá-lo? Digamos que existam 3 possibilidades de localização – áreas A, B e C. O local A é um ecossistema público valioso, com biodiversidade, água, solo bom; como paisagem, porém, é sem graça; e poderia render algo em uso econômico. Já a alternativa B possui belo cenário, oferecendo muitos atrativos; como habitat é pobre, tem pouca biodiversidade; não sugere vantagens para uso econômico. Finalmente, o local C é ótimo para um complexo urbanístico, podendo gerar renda significativa; como paisagem é razoável; e como ecossistema, pobre. Assim, a comparação de A, B e C quanto a ecossistema ou habitat (dimensão 1), paisagem (dimensão 2) e  valor econômico (dimensão 3), indicaria a seguinte ordem de preferências. Em termos da dimensão 1, A-B-C; quanto à 2: B-C-A; e quanto à 3, C-B-A. Ou seja, tem-se uma classificação dos três locais que não faz nenhum deles se sobrepor aos demais em todas as categorias – ou dimensões – tomadas para efeito de comparação. O lugar A é o melhor para habitat natural, o B o é como paisagem e o C, como sítio de um projeto econômico.

Qual dos lugares deve ser o escolhido? Como decidir? Quem detém o poder de impor a linguagem econômica como discurso supremo de uma discussão de cunho socioambiental, político e cultural? Para a sociedade, interessa não só a valoração monetária, mas também avaliações físicas, estéticas, sociais e culturais. Não faz sentido simplificar a complexidade, impondo uma decisão estreita e que interessa apenas a um segmento da sociedade – por mais importante que seja – desqualificando outros atores. Nem faz sentido deixar que um enfrentamento persistente e sem remédio entre expansão econômica e conservação leve sempre ao sacrifício do patrimônio público. Ao herdarmos locais conservados, transformando-os em condomínios privados, agimos de maneira míope, esquecendo a complexidade e múltiplas dimensões da vida social. Além disso, comete-se uma injustiça socioambiental, às vezes e de modo legítimo, considerada como forma de racismo. Isso significa que o valor do dinheiro não pode impor descaradamente sua vontade, como no cais José Estelita. E como, aliás, parece estar acontecendo ainda no caso da estrambótica e lamentável arena do glorioso Sport Club Recife. 

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